Viemos para a revolução e temos festa
O Estádio do Dragão recebe a primeira mão do play off de acesso ao Europeu feminino de futebol. Num Portugal transformado, a revolução ainda está por chegar.
A uma eliminatória de voltar a pisar os palcos de um Europeu feminino de futebol, Portugal enfrenta os desafios que o crescimento lança quando os mínimos estão garantidos e é preciso perceber para onde avançarão os próximos passos. Jogar frente à República Checa no Estádio do Dragão é o assumir de um crescimento público que não terá volta atrás. A seleção feminina é, hoje, um conjunto reconhecido pelos resultados, competitividade e audiência. Associar-se à chegada do FC Porto às competições femininas é uma correlação lógica para uma seleção que alimenta ambições altas. Ao mesmo tempo, a ausência das equipas portuguesas da Liga dos Campeões e uma pequena sensação de estagnação na Liga Feminina levantam questões sobre onde seguir com a aposta.
Euro à vista
O novo formato de qualificação para o Europeu feminino parecia complicar a caminhada de Portugal até à fase final, mas a segurança da equipa na Divisão B da Liga das Nações e a bonomia do sorteio colocam as portuguesas frente a um adversário ultrapassável no play off final. A República Checa tem tido um crescimento mais lento nas suas seleções femininas e procura ainda a sua estreia numa grande prova, enquanto Portugal se apresenta com as experiências dos Europeus 2017 e 2022, para além do Mundial 2023. À equipa de Francisco Neto não falta estatuto para reivindicar um grande ambiente no Estádio do Dragão. O público aderiu a uma equipa que tem beneficiado de uma imagem de simpatia que ultrapassa clubismos e transformou algumas das suas jogadoras em figuras reconhecidas pelos mais jovens.
Uma excessiva dependência do investimento da Federação Portuguesa de Futebol da parte de todos os atores envolvidos leva a que se questione pouco como podem brotar novas evoluções.
A atual seleção portuguesa beneficia de um quadro que nunca existiu no futebol português no feminino. Esse quadro é resultado de investimento e profissionalização de jogadoras, mas não esconde que o sucesso desportivo carece de um pensamento mais aprofundado sobre o fenómeno, mais crítico na sua execução, mais elaborado nas sementes que deixa para o futuro. Para tal, é necessária uma contínua produção de massa crítica que não tem sido fácil de envolver em redor do futebol no feminino. Um curto mercado e uma excessiva dependência do investimento da Federação Portuguesa de Futebol da parte de todos os atores envolvidos leva a que se questione pouco como podem brotar novas evoluções.
Uma pequena sensação de estagnação
Mais equipas a competir, mais atletas federadas, o fenómeno feminino no futebol aproxima-se de um primeiro objetivo, o de permitir a todas as mulheres a possibilidade da prática do jogo, independente do lugar onde vivem, da idade que tenham. Será daí que se poderão retirar novas visões e novas interpretações do que a prática desta modalidade e o desenvolvimento do seu acompanhamento poderá trazer. No final de 2024, uma pequena sensação de estagnação pesa sobre as equipas portuguesas que falharam o acesso à Liga dos Campeões. Estando nessa competição reunida a elite do futebol no feminino, ficar de fora deixou Benfica e Sporting demasiado longe de um território competitivo que nada tem que ver com a realidade que encontram na Liga portuguesa. Apesar de um esforço de diversos conjuntos, a precariedade das condições continua a ser nota de uma prova que segue em duas ou três curtas velocidades.
É esse silêncio que não será quebrado esta noite num Estádio de Dragão onde imperará a festa, mas onde ainda se continuará a esperar pela revolução.
Até hoje, Benfica, Sporting e SC Braga adoptaram um posicionamento que não se conecta tanto com a identidade das principais equipas femininas mundiais, mas procuram posicionar-se como braços de um projeto único associado ao futebol. Essa foi a tendência sempre defendida na Federação Portuguesa Futebol e nem projetos que surgiram independentes de estruturas montadas para o futebol masculino, como são os exemplos mais evidentes do Racing Power ou do Damaiense, conseguem escapar a uma tendência que não fala para um público que procura nas equipas femininas um discurso progressista e de questionamento de tendências que também marcam o excessivo financeirismo do futebol masculino. Perseguir esta tendência tem acabado, também, por carregar os meios que de mais perto acompanham os jogos de equipas femininas, não sobrando espaços onde o futebol seja visto do ponto de vista das mulheres. É esse silêncio que não será quebrado esta noite num Estádio de Dragão onde imperará a festa, mas onde ainda se continuará a esperar pela revolução.