João Miguel Tavares e o logro da meritocracia
A igualdade salarial entre homens e mulheres que representam o país em provas desportivas é um objetivo que não choca com o mercado. Nem toda a gente, no entanto, consegue ver o óbvio.
Na sua habitual crónica no Público, João Miguel Tavares atirou-se a pés juntos a uma proposta do Bloco de Esquerda para terminar com a disparidade salarial entre homens e mulheres nas seleções portuguesas. A proposta segue as práticas que começam a marcar tendência um pouco por toda a parte, com a promoção da igualdade da remuneração que é paga pelas Federações desportivas a quem representa o país em competições internacionais. Essa prática visa estabelecer um princípio de igualdade de condições que têm reflexo no salário, mas que importam num variado nível de questões, como as condições de treino e recuperação, o acompanhamento e a promoção da evolução dos atletas independentemente do seu género. A entrada de João Miguel Tavares nesta discussão poderia ser, apenas, alvo de um cartão amarelo. Mas como o articulista confunde argumentos para testar uma hipótese de conclusão, vale a pena analisar o lance de forma mais aprofundada.
O acordo antes do desacordo
É curioso que no seu argumentário, João Miguel Tavares comece por estar de acordo com a proposta na sua essência. O autor defende que “Se considerarmos que o fundamental numa selecção é a representação do país — um raciocínio legítimo nos Jogos Olímpicos, por exemplo —, então é justo que homens e mulheres ganhem o mesmo”. Curiosamente, é exatamente neste ponto, o da representação do país, que a proposta do Bloco de Esquerda pode ter efeito, porque se refere a valores que, saídos do Orçamento de Estado, se prendem com a representação do país. Mas, como estar de acordo com a proposta não chega ao articulista, ele dá uns passos para fora de pé.
Na prática, é a adoção do logro da meritocracia aplicada ao desporto, um argumento que fazia falta à discussão.
João Miguel Tavares considera que as diferenças salariais no desporto se prendem com a performance. Na prática, é a adoção do logro da meritocracia aplicada ao desporto, um argumento que fazia falta à discussão. Segundo o articulista, “homens e mulheres não fazem exatamente o mesmo” e é nessa diferença de rendimento que as diferenças salariais assentam. Para Tavares não existe história de limitações impostas à prática desportiva das mulheres, não existe especulação financeira, não existe lavagem de dinheiro que ajudem a explicar determinados “investimentos” em determinadas modalidades. É só porque existem atletas que fazem melhor a mesma coisa - e que por ordem de ideias de Tavares não estão, assim, a fazer o mesmo, que as disparidades salariais existem.
A exceção e a regra
Aponta a determinado momento Tavares que “em modalidades que exigem uma mistura de técnica, força, velocidade e confronto físico (como o futebol ou o basquetebol), as equipas femininas estão a léguas das masculinas na qualidade da sua performance”. A sua argumentação prende-se a resultados de jogos de preparação entre equipas femininas e conjuntos de formação masculinos, para defender a excecionalidade do futebol entre outros desportos, apontando também a exceção da ginástica para apontar que aí o argumento da meritocracia acaba por beneficiar mulheres como Simone Biles.
É curioso que em todo este caminho, João Miguel Tavares nunca encontro o óbvio.
No final das contas, João Miguel Tavares assenta que a “atenção capta dinheiro”. Concluindo-se assim que o papel do Orçamento de Estado e das verbas investidas no Desporto deverem apoiar as modalidades com maior audiência e com maiores ganhos, em detrimento de funcionarem como um elemento equilibrador de realidades diversas, permitindo a mais atletas, de mais modalidades, alcançarem os seus objetivos competitivos, sejam eles homens ou mulheres. É curioso que em todo este caminho, João Miguel Tavares nunca encontro o óbvio. A igualdade salarial é um objetivo desejado e com sentido para todos e todas os que representam o país. Os prémios de participação em competições que são diferenciadas acabarão por resolver as diferenças que cada modalidade detém no mercado. Discordar por discordar é só um movimento preguiçoso de quem não pretendeu abordar todos os dados da questão.
Há mais para ver
O Parlamento Europeu promoveu uma infografia sobre igualdade entre homens e mulheres no desporto que merece ser lida à luz destes argumentos.
Acho esta afirmação de João Miguel Tavares ignóbil. Sou praticante de natação desde os 11 anos por aconselhamento médico, pois tenho uma deficiência motora.