Bandeira da Ética para totós
Entre a teoria e a prática não devem existir fronteiras. Perceber isso é essencial para compreender a missão de agente desportivo.
A Federação Portuguesa de Futebol lançou recentemente um video, no âmbito da campanha “Escolhe o Fair Play”, onde um grupo de crianças é treinado para um conjunto de competências que visam contrariar as melhores práticas do Fair Play. No filme, um treinador prepara a sua equipa para demorar tempo a repor a bola em jogo, para fingir faltas, para saber agarrar o adversário em lances de bola parada, para provocar o público no momento de um festejo de um golo. O vídeo é particularmente bem conseguido porque nos oferece a ideia de treino de competências antidesportivas, algo que normalmente associamos a um comportamento de desvio em relação ao trabalho normal de um clube. O ar de choque dos pais perante a evolução desse treino, no vídeo, leva-nos a questionar o que faria um pai ou uma mãe se aquela realidade, de facto, acontecesse. Na tarde do último domingo, dei por mim sentado numa bancada a pensar o que faria o pai ou a mãe de umas jovens atletas que foram confrontadas por um comportamento destes de um responsável de uma equipa.
Segura aí a bandeira
A Bandeira da Ética é um programa promovido pelo Instituto Português do Desporto e da Juventude, através do Plano Nacional da Ética no Desporto, com os objetivos de, de forma geral, implementar um processo que identifique e promova boas práticas no desporto, trazendo visibilidade para iniciativas no campo da Ética. Segundo o site desta iniciativa, 1645 entidades de todo o país estão, hoje, certificadas, garantindo a construção de um programa de certificação nacional na área da ética desportiva e educação para os valores do desporto, uma concepção compatível e aplicável a todas as modalidades, uma metodologia que garanta processos justos, transparentes e de autogestão, a capacidade de gerar reconhecimento para iniciativas desportivas que aposta na temática da ética e valores no desporto.
Não dá para pedir a outro para segurar a bandeira enquanto se tenta fazer tudo para ganhar um jogo.
Reconheço que em cada clube existem grupos de pessoas que estão bastante implicadas na realização deste tipo de programas. Os clubes desportivos são essencialmente comunidades de jovens, que se associam para ter prática desportiva, mas à volta dessa prática desenvolvem-se relações de amizade e familiares, vivem-se momentos marcantes para a vida de cada um destes jovens, desenvolvem-se comportamentos que são fundamentais para que nas diferentes áreas da sua vida futura, estes jovens compreendam bem o seu lugar e a forma como devem lidar com dificuldades, desafios, desejos e ambições. Neste sentido, a Bandeira da Ética promove uma reflexão que se cumpre com a apresentação de programas e relatórios, mas que também é obrigatório que se reflita nos comportamentos dos elementos do clube enquanto estão em representação do mesmo. Não dá para pedir a outro para segurar a bandeira enquanto se tenta fazer tudo para ganhar um jogo.
Formas de promover a formação errada
Tarde de domingo com sol e tempo livre para poder ir ver um excelente jogo entre o SCU Torreense e o Racing Power, a contar para a Liga Feminina. O jogo foi bastante equilibrado e disputado, não estivessem em campo duas equipas que têm elevadas ambições nesta competição. A festa foi completa porque, para além dessa partida, ao intervalo, foram apresentadas as equipas de formação do clube da casa, com as equipas femininas de Sub-11, Sub-13, Sub-15, Sub17 e Sub-19 a marcarem presença no relvado. No âmbito de fortalecer a ligação entre jogadoras da formação e equipa principal, um conjunto de jogadoras destes escalões de formação cumprem o papel de apanha-bolas nos encontros da equipa na Liga Feminina, gerando uma aproximação entre todas as atletas.
Falhar nestes momentos, seja com a desculpa da pressão competitiva ou da ambição que roça o desmedido, é falhar no essencial da sua função.
Com o jogo a ser bem competitivo, o resultado a pender para o lado da casa por apenas 1-0 e os últimos minutos do encontro a aproximarem-se, um dirigente do banco do SCU Torreense fazia sinais para as jovens apanha-bolas para se demorarem na reposição da bola, reforçando, uns instantes depois, que estas se afastassem os lugares onde estavam para que o ritmo do jogo pudesse sofrer alguma quebra no momento em que a bola saísse do campo. Vão-me dizer que esta é uma coisa que estão habituados a ver em muito lado, tal como eu já o vi acontecer muitas vezes. Mas na Liga Feminina, com o jogo a merecer transmissão televisiva, ter um dirigente a assumir um comportamento antidesportivo que implica jovens jogadoras dos escalões de formação num clube que detém a Bandeira da Ética e num momento em que a Federação promove uma campanha sob o lema “Escolhe o Fair Play” pareceu-me uma forma demasiado amarga de fechar a tarde de domingo.
É fundamental compreender que não existe uma fronteira entre a teoria e a prática. Todos os técnicos e dirigentes que trabalham no desporto, ainda para mais quando estamos perante jovens que vivem no fenómeno desportivo uma autêntica escola de vida, estão obrigados a cumprir com as melhores práticas possíveis no campo da ética e do desportivismo. Falhar nestes momentos, seja com a desculpa da pressão competitiva ou da ambição que roça o desmedido, é falhar no essencial da sua função. Particularmente lamentável numa tarde onde tudo apontava para uma forte jornada de promoção do futebol no feminino.