Um clube entra num bar à procura de um diretor desportivo
Perante a impossibilidade de definir com factos o impacto de um diretor desportivo, a assinatura de Hugo Viana pelo Man. City é um bom exemplo das dificuldades que temos para analisar os seus feitos.
Sendo o futebol um território sem transparências, onde entre o que acontece em campo e o que se prepara fora dele podem existir umas boas dezenas de explicações e caminhos para se encontrarem os nexos que os conectam, avaliar as funções daqueles que não estão na primeira linha do jogo transforma-se, quase sempre, num exercício de criação de narrativas. Avaliar diretores desportivos é um dos casos bem complexos, porque a história demonstra-nos o seguinte. Normalmente, o que faz o sucesso de um diretor desportivo no clube X não é o mesmo que o fará no clube Y. Por outro lado, os percursos dos diretores desportivos raramente são lineares. Finalmente, os diretores desportivos estão quase sempre condicionados pelas razões para as quais foram contratados e pelos restantes elementos que os rodeiam, visto que muitas das vezes não caberá ao diretor desportivo escolher outros elementos preponderantes no sucesso da equipa. Ou seja, o diretor desportivo acaba muitas vezes preso ao contexto que lhe condiciona todos os movimentos.
Diretores desportivos, liberdades e garantias
Quando um clube procura um diretor desportivo, de uma forma geral, procura-o para uma função específica. São raros os casos, quase inexistentes, onde o clube contrata um diretor desportivo para dirigir a área desportiva do clube. Caso assim fosse, a ele seria entregue a chave do clube e pedir-se-ia que ele organizasse toda a estrutura, definisse as equipas, apontasse os objetivos e os processos para os alcançar. Para começar, raramente um clube está nesse ponto zero onde é possível começar tudo. Herdam-se hábitos, contratos, tradições, conjugam-se com os desejos e os planos da administração e de outros elementos preponderantes nos clubes, cabendo ao diretor desportivo gerir os espaços que sobram entre todas essas partes.
Tudo o que acontece num clube de futebol é, inevitavelmente, fruto do coletivo.
Por outro lado, a questão orçamental tem sempre um peso gigantesco nesta independência do trabalho do diretor desportivo. A decisão orçamental muda toda a paisagem do trabalho do diretor desportivo, que pode ser condicionado quer pela intervenção da administração no momento da transferência ou do contrato, tal como pode estar limitado pela disponibilidade que lhe é oferecida em cada momento. Existem imensos casos documentados de decisões que foram transformadas no derradeiro instante pela intervenção de um dirigente, o que torna praticamente impossível de definir os méritos e deméritos de todas as partes envolvidas nesse processo. Tudo o que acontece num clube de futebol é, inevitavelmente, fruto do coletivo. Retirar uma das peças para a avaliar fora do contexto quase sempre uma aposta no escuro.
O caso de Hugo Viana
O anúncio da contratação de Hugo Viana pelo Manchester City é o culminar de um processo de elevação dos efeitos da sua ação dentro do Sporting Clube de Portugal. O sucesso que o clube verde-e-branco vai vivendo nos derradeiros anos tem aumentado o valor percepcionado de todos aqueles que trabalham no clube. As vitórias em campo, que podemos analisar, os processos de jogo, que podemos comparar e alinhavar com as opções técnicas denunciadas nas conferências e entrevistas do seu treinador, produzem resultados que são também arrecadados por muitas outras pessoas que trabalham no clube. Hugo Viana, como diretor desportivo, conquista uma parte desse sucesso como seu.
Só a chegada de Rúben Amorim inaugurou, finalmente, o caso de sucesso de Hugo Viana.
Acontece que a entrada de Hugo Viana ao Sporting foi tudo menos bem sucedida. Depois de José Peseiro ter sido o seu primeiro treinador, num contexto de dificuldades, as escolhas essenciais que marcaram realmente o seu primeiro projeto incluíram Marcel Kaizer, que venceu uma Taça da Liga e uma Taça de Portugal mas saiu em clara falência do seu projeto futebolístico, muito marcado por uma Unidade de Performance que foi denunciada como prejudicial, seguindo-se a opção por Jorge Silas que quebrou ainda mais o contexto interno do Sporting. Só a chegada de Rúben Amorim inaugurou, finalmente, o caso de sucesso de Hugo Viana. Os méritos do Diretor Desportivo podem bem ser apontados por quem lida diretamente com ele, mas é inevitável olhar para o seu percurso e considerar que é impossível desligá-lo da chegada do atual treinador do Sporting.
O que quer realmente o Manchester City?
Depois de ter criado toda uma estrutura interna baseada em elementos vindos do FC Barcelona, com especial destaque para Ferrán Soriano e Txiqui Begiristain, de modo a acomodar a chegada de Pep Guardiola para o comando técnico do seu clube, o mais provável é mesmo pensar que os Cityzens procuram repetir o mesmo caminho com a contratação de Hugo Viana, buscando aí uma conexão para garantir Ruben Amorim como o seu futuro treinador. Se uma coisa parece evidente, é que no City se reconhece a importância destas ligações para que o resultado final do processo de construção de estrutura e plantel fique mais perto do sucesso. Para o City, o dinheiro é uma arma carregada e pronta a disparar, mas até a história recente do clube demonstra que não resolverá todos os problemas que surgem para se alcançar o sucesso na Premier League. O diretor desportivo será importante para conectar pontas num projeto que está já delineado e em pleno funcionamento. A escolha de Hugo Viana é apenas um encaixe para encontrar nexo noutros passos que se seguirão.