Não compreendo a polémica
Erros de comunicação e justificações falhadas na era do excesso de informação.
A defesa de ideias no espaço público é um desafio constante para quem não está confortável com as decisões que toma. Ser transparente num lugar de exposição é arte muitas vezes inacessível. Porque o excesso de sinceridade quebra o domínio da narrativa que se pretende defender, enquanto a gestão de temas sensíveis é, quase sempre, um exercício de saber lidar com uma queimadura que se sente na pele. Para quem assiste, mais do que a mensagem, conta a forma como esta é expressa. Melhorar na arte de comunicar é fundamental para se conseguir ser convincente no lugar que se ocupa.
Martínez e as substituições
Para o selecionador nacional, que em todas as ocasiões competitivas tem que definir um grupo de jogadores a chamar, a justificação é uma parte importante do seu trabalho. Por justificação não se entende aqui uma necessidade de aprovação. Não, o que se trata é da capacidade de enquadrar as suas chamadas com uma narrativa que enquadre os diferentes casos e mantenha uma perspetiva equilibrada sobre os critérios utilizados. Ora, se é certo que a explicação será tanto mais difícil quanto líquidos foram os critérios, também é verdade que essa capacidade de gerir informação para lhe dar um sentido é fundamental para que, no seu papel, Roberto Martínez seja convincente.
A melhor explicação para não chamar Quenda ao jogo, numa eventual quinta troca, foi o esquecimento do Selecionador Nacional
Chamado a comentar a não utilização de Quenda no jogo frente à Croácia, esta manhã depois do sorteio da Liga das Nações, Martínez diz não compreender a polémica, insistindo na questão de não ter sido possível utilizar a quinta substituição devido à lesão de Nuno Mendes aos 81 minutos. A verdade é que, nesse momento, a melhor explicação para não chamar Quenda ao jogo, numa eventual quinta troca, foi o esquecimento do Selecionador Nacional, falhanço assim o momento onde poderia fazer a troca. Que depois de ter falado do jogador na antevisão da partida e de ter estreado outros três jovens na Seleção numa partida onde o valor competitivo era baixo, tinha sido ele próprio a criar as condições para a não utilização do jogador do Sporting ser polémica.
Benfica e os comunicados
Também esta manhã o Benfica lançou mais um comunicado para estabelecer a sua verdade sobre rumores publicados em algum órgão de informação. A forma como a comunicação do Benfica aborda as chamadas “campanhas de desinformação” tem um problema de base para os encarnados. Transforma os eventuais rumores em notícia. A partir do lançamento do comunicado, a continuidade ou não de Nico Otamendi passa a ser notícia do dia, porque o clube puxa para a conversa a sua posição. De alguma forma, a tentativa de fechar a conversa sobre este tema oferece-lhe espaço para ser chamado. Já tinha acontecido noutras oportunidades. Dar chama aos rumores levam a que mais pessoas tenham acesso a eles e mais se venha a falar do tema.
Adiantar-se aos demais, definir de forma clara o caminho do que se quer transmitir e não deixar que sejam outros meios a apontar a agenda é essencial para comunicar bem.
É certo que já não vivemos no tempo da rei da rolha. Muitas vezes no passado os clubes portugueses optaram por não falar à comunicação social para tentar dessa forma travar o que se dizia das equipas. Era uma estratégia que tinha sucesso porque os meios dependiam de ter protagonistas a falar para fazer o seu trabalho. A realidade de hoje não é essa. Daí que mais importante do que tentar travar as conversas ou os rumores, importa aos atores terem a capacidade de estar no terreno para desenvolver a narrativa da sua comunicação. Adiantar-se aos demais, definir de forma clara o caminho do que se quer transmitir e não deixar que sejam outros meios a apontar a agenda é essencial para comunicar bem. Quem não compreende as polémicas e não tem capacidade para ser transparente, perde terreno na forma como tenta travar o vento com os dedos, acabando assim por perder o controlo da sua mensagem.