Exibição em Dó menor em Copenhaga
Portugal meteu dó perante a Dinamarca e salvou-se de uma goleada sofrida na primeira mão dos quartos-de-final da Liga das Nações. Sem novidade.
Com Roberto Martínez, tal como com Fernando Santos, a seleção portuguesa fica aquém das expetativas que a qualidade dos seus jogadores cria. A sucessão de anos e de desilusões futebolísticas coincidem com os anos de ouro do futebol português, o percurso que transformou Portugal num candidato crónico em todas as principais competições, fruto de um conjunto de jogadores que alcançaram posições de elite no futebol mundial. Em ambos os casos, a nomeação do treinador assentou na ideia de ter na equipa nacional um conciliador, capaz de enquadrar enquanto projeto desportivo a ideia de conforto dos intervenientes com valor acrescentado que potenciassem um fluxo financeiro consistente com a manutenção do crescimento económico da Federação. Numa época em que se medem os resultados do trabalho associativo e federativo em cima de critérios economicistas, é difícil contrariar que Fernando Santos e Roberto Martínez cumprem com o objetivo de quem os escolheu. Mas as expetativas e ambições criadas em redor da equipa nacional não são excessivas. Porque no dia em que a seleção fez “o pior do jogo dos últimos anos” se percebe que as coisas podem ir funcionando nos serviços mínimos, até que um dia não.
Debaixo de um chuveiro dinamarquês
Não me lembro de quando foi a última vez que vi Portugal a ser, durante noventa minutos, manietado por uma seleção que, à partida, não se apresentava como favorita à vitória. Não me lembro porque não é um problema de memória. É uma questão de tempo. Portugal já entrou muitas vezes com o plano errado em jogos competitivos. Já cometeu erros na gestão de resultados, nas substituições feitas, já se mostrou incapaz de explorar as suas qualidades. Já enfrentou, até, equipas com enorme facilidade para chegar a zona de perigo. Tudo coisas que Portugal teve de enfrentar ontem, frente a uma Dinamarca dinâmica, atualizada, motivada e consciente de onde se colocar para ficar mais perto da vitória.
A total falta de ideias transposta nas trocas e a fragilização do coletivo com as mudanças operadas por Roberto Martínez.
A pressão dinamarquesa criou sempre enormes problemas a Portugal na saída de bola, nascendo de um lance desses o golo que deu a vitória ao rival dos portugueses. A velocidade com que atacavam espaço e conduziam a bola nunca permitiriam qualquer tipo de conforto a Portugal. As movimentações dos seus laterais foram um autêntico quebra-cabeças perante uma equipa lusa que não tinha a mínima noção de como defender, nem como se defender das forças rivais. O decorrer do jogo tornou tudo mais sofrível. A incapacidade de controlar os efeitos negativos de uma péssima primeira parte ao intervalo. A total falta de ideias transposta nas trocas e a fragilização do coletivo com as mudanças operadas por Roberto Martínez. A incapacidade de olhar para o campo e para o banco e perceber o que fazer.
A hora dos jogadores
Portugal nunca fez uma discussão aprofundada sobre talento. As noções do mesmo divergem, competem e raramente se entendem na forma de um aproveitar da melhor forma. Se a generalidade dos clubes trata os seus talentos como ferramentas financeiras futuras, a seleção nacional tem abraçado uma outra abordagem, que procura colocar exclusivamente no jogador a solução dos problemas. Essa é, aliás, uma ideia muito vincada nos adeptos, que tem origem também na forma como os treinadores se salvaguardam nos melhores jogadores para apenas esperar que os milagres aconteçam.
Não apareceu no terreno com uma mínima ideia coletiva de pressão que lhe permitisse recuperar a bola.
Mas, no futebol, milagres são coisas que acontecem muito menos do que somos levados a acreditar. No jogo de Copenhaga, Portugal quis ter bola mas abdicou dos jogadores de posições recuadas que têm mais conforto nesse momento. Lançou um meio-campo com qualidade, mas não orientou o seu posicionamento no campo para a maneira da Dinamarca pressionar, não trazendo pontos de fuga para esses momentos de dificuldade. Não apareceu no terreno com uma mínima ideia coletiva de pressão que lhe permitisse recuperar a bola, transformando o jogo, demasiadas vezes, numa sessão de escapar às ratoeiras lançadas pelos adversários. Enquanto não se perceber que o futebol só pode ter condições de sucesso a partir de uma ideia coletiva sólida e partilhada, a seleção vai continuar a esperar que sejam os jogadores a definir, no momento, o futuro do seu projeto desportivo. O que, nas palavras de Pedro Proença ontem, na Dinamarca, não parece estar sequer em equação ou avaliação. Domingo, em Alvalade, reunimo-nos para nova sessão.