Isto ainda é uma newsletter de futebol, mas
Racistas na bancada, o feminino à procura de ter palavra, os sorrisos que contrariam discursos, as vozes que se querem caladas. Uma semana no futebol em Portugal.
Talvez tenham acontecido demasiadas coisas. Foi o Carnaval, os dias de chuva intensa, o regresso ao trabalho embrulhado nos temas de todos os dias, enquanto na Assembleia da República e no comentário político se brinca a uma ficção sobre a vida dos portugueses que não parece bater, na realidade, com a porta de ninguém. A conversa sobre se o país está melhor ou pior, se existe sequer esse conceito de “coisas que verdadeiramente importam à vida dos portugueses” é um saco sem fundo onde, rapidamente, nos aprestamos a perder qualquer peça que fosse preciso guardar. Mas acontecem demasiadas coisas em todo o lado. O futebol português, na Europa, dá tímidos sinais de competitividade, os grandes embrulham-se em polémicas que procuram esconder a fragilidade do seu jogo, enquanto os mesmos que gritam “ó polícia que estou a ser roubado” se sentam em bancadas com sorrisos cúmplices. As mesmas bancadas de onde chegam palavras de ódio para com os jogadores, as mesmas bancadas que nos ajudam a questionar o ponto onde se assenta, hoje, o futebol português no feminino. Definitivamente, aconteceram demasiadas coisas.
O que dizem as bancadas quando as bancadas falam
Nem toda a gente que compra bilhete e entra num estádio o faz para ir assistir a um jogo de futebol. Sempre assim foi, não é novidade. Interesses diferentes permitem que pessoas diferentes se encontrem no mesmo espaço para viver, ao vivo, os espetáculos que o jogo agrega. Referir espetáculo já é, no entanto, limitar o campo de possibilidades que as bancadas propõem. Como se percebeu no Estádio do Bessa, há quem compre bilhete e entre num estádio para pertencer a uma comunidade. O que se pode questionar é a que tipo de comunidade se pretende pertencer. Se se quer ser a pessoa que grita insultos racistas a um guarda-redes internacional do seu país, campeão nacional, então talvez as bancadas não sejam o lugar certo para se estar. Talvez as bancadas que verbalizam frases racistas devessem ser transportadas para outro lugar. O museu do Boavista, por exemplo, onde tantos que, acaso vestissem outras cores, se arriscariam a ser também insultados pelos racistas sem noção, fazem parte da história de um clube que não deveria permitir a mínima expressão desqualificativa de um ser humano.
A busca da igualdade, em Portugal, está presa no medo da diferença.
À procura de espetáculo terão ido os adeptos que foram até ao Municipal de Leiria para assistir à final da Taça da Liga Feminina, que o Benfica acabou por conquistar perante o Sporting. 2025 é um bom ano para se questionar o posicionamento que o futebol português no feminino foi adquirindo. No que toca aos resultados, com a seleção a garantir presença nos grandes palcos internacionais e as equipas portuguesas a ambicionarem participação mais numerosa nas próximas competições europeias, o caminho faz-se. Mas culturalmente os passos são mais lentos. O futebol no feminino capta audiências, procura furar pela oportunidade de ser um produto acessível aos canais generalistas, mas a sua organização parece-se demasiado com um subproduto do masculino, na forma como agentes da modalidade, jogadoras e treinadoras, se expressam. A busca da igualdade, em Portugal, está presa no medo da diferença. E enquanto as vozes não se levantarem para marcar distâncias e se apresentarem como expressão feminina da modalidade, talvez o processo continue a parecer demasiado morno.
A uma só voz para não dizer nada
Na bancada do Municipal de Leiria, Pedro Proença, Frederico Varandas e Rui Costa sorriam, divertidos, enquanto no campo se jogava futebol. A expressão de cumplicidade entre as três figuras choca com um discurso oficial que procura colocar na atualidade um enorme problema de arbitragem, ao qual também já aderiu Martín Anselmi, treinador do Futebol Clube do Porto. Ao mesmo tempo que se vangloria a presença de um ex-árbitro no lugar-mor do futebol português, atira-se para a arbitragem todos os problemas da nação futebolística. É um Lego que não encaixa, a não ser nas apertadas caixas de ressonância que cativam a mente de uns quantos adeptos, barulhentos o suficiente para se continuar a vender a ideia de que, no futebol, é tudo igual. Era bom que se visse essa cumplicidade e sorrisos na forma de gerir o nosso futebol, desprendendo-o de uma solenidade bacoca que não lhe permite ser deste século.
A palavra “União” enche a boca de quem quer que o futebol português fale a uma só voz, de maneira a que, parecendo calada, nada de relevante se oiça.
O novo presidente da Federação Portuguesa de Futebol, ao que vai sendo noticiado, tem como objetivo abrir uma delegação federativa na cidade do Porto, mais concretamente no edifício da Liga Portugal, promovido por Pedro Proença na sua anterior função, alugando aí um andar. Isto acontece sem que nenhuma sobrancelha se arqueie, tudo normal, no país onde a bolha aceita que deputados tenham empresas que se ocupam em serviços em tudo semelhantes ao lobbying, o que só se tornou problema quando o deputado passou a primeiro-ministro. O país avança, as instituições degradam-se, mas a banda continua a tocar. Ainda este fim-de-semana, Reinaldo Teixeira comprou espaço nos três diários desportivos nacionais para anunciar o seu plano de intenções na candidatura à Liga Portugal. A palavra “União” enche a boca de quem quer que o futebol português fale a uma só voz, de maneira a que, parecendo calada, nada de relevante se oiça. São demasiadas coisas a acontecer, demasiado sinais a apontar na mesma direção. A programação segue dentro de momentos.