Esperar o futuro com um discurso apropriado
Das coisas que se aprenderam na décima segunda jornada da Liga Portuguesa. Três treinadores dos grandes perante as dúvidas do que fazer para ser maior.
A derrota do Sporting depois de onze vitórias consecutivas é o tema de uma jornada que representa a reabertura pela luta do primeiro lugar. Perder em casa era coisa que não acontecia aos Leões desde fevereiro de 2023 e, normalmente, este tipo de resultados signifcam sempre mais do que três pontos desperdiçados, são menos três pontos numa corrida pelo título que vai ficando, ano após ano, mais apertada entre os grandes, tal a diferença demarcada para os demais conjuntos. Em jornada pós-europeia e com a derrota leonina a abrir a jornada, Benfica e FC Porto precisavam de vencer para aproveitar a onda que começam a ver forma-se. Com maior ou menor brilhantismo, o problema resolveu-se. Em Arouca, o Benfica marcou muito cedo e nunca terá sentido aperto. No Dragão, o FC Porto demorou 45 minutos a encontrar uma forma de ultrapassar a solidez defensiva do Casa Pia. Em suma, se os resultados tocam uma música que ora anima ora entristece, as exibições não prometem qualquer segurança a nenhum dos envolvidos.
Maneiras de antecipar o futuro
Frederico Varandas não tem como assumir que errou, mas é provável que tenha hoje bastante mais dificuldades em adormecer do que tinha há uma semana atrás. Com duas derrotas consecutivas, o Sporting vê o papel dominante que tinha assumido esfumar-se de um dia para o outro. João Pereira, na abordagem da primeira semana, não demonstra estar preparado para o peso do cargo que ocupa, mas também não poderá ser o único responsável do momento do Sporting. O Presidente considerou boa ideia anunciar que este treinador que agora se estreia na principal divisão do futebol nacional era um projeto seu, preparado desde o dia em que entrou na Academia para ser adjunto dos Sub-23 para ser o técnico principal, com o potencial para ser um técnico de elite no prazo de poucos anos. No dia em que se despedia de um dos melhores treinadores da história do clube, o Presidente apostava tudo na superação desse técnico por alguém que nunca tinha treinado uma equipa sénior.
Tentar melhorar um carro que segue à frente de uma corrida passa, muitas vezes, por gerir o momento certo para o travar.
Pegar numa equipa que está feita e em modo ganhador pode queimar. Por um lado, porque a mudança das pessoas torna impossível que tudo fique na mesma. Por outro lado, porque sempre qualquer treinador, na necessária expressão de ego que todos os treinadores necessitam ter, pretende deixar uma marca do seu trabalho. Tentar melhorar um carro que segue à frente de uma corrida passa, muitas vezes, por gerir o momento certo para o travar. Quando esse carro é composto por uma equipa de jogadores que vivem um momento de extrema confiança, mas que acabam de perder o seu líder, não se pode melhorar pela alteração de comportamentos. Ao mexer nas dinâmicas ofensivas da equipa, procurando maior estabilidade na exploração do ataque (logo, menos risco) e ao alterar a hierarquia das apostas em jogadores, João Pereira arrisca-se a ter quebrado o motor na paragem nas boxes. Em Moreira de Cónegos, terá uma nova oportunidade para mostrar que sabe como acelerar.
Cambiantes do discurso amoroso
Bruno Lage e Vítor Bruno propõem a imagem do treinador emotivo, ligado às bases do clube que representam, reivindicando essa pertença a cada passo do seu trabalho. Pela natureza do seu cargo e pela exposição que este implica, acabam, no entanto, por ser atores e analistas do seu próprio comportamento, como são convidados a explicar ou a justificar cada uma das suas opções. Para Lage, ao viver uma segunda oportunidade no Benfica, existe a possibilidade de comparar momentos de evolução. É demasiado evidente que o treinador aprendeu com o desmoronar comunicacional da segunda temporada da primeira passagem e tenta compensar essa memória de deriva com uma fala mais decidida, expressa também nos muitos gestos que elabora a partir da linha lateral. A sua carta tática mais decisiva tem sido a liberdade oferecida ao talento do seu plantel, mas continua a ser na forma como fala que conquista os seus adeptos. Porque entre a segurança das vitórias em Portugal e o desespero de uma certa desorientação na Europa, pode ser pelo coração que o Benfica consiga crescer.
As lideranças portistas ainda procuram o melhor tom para abordar esta transformação de contexto
Vítor Bruno vê as mesmas dificuldades que todos nós vemos na maneira da sua equipa abordar as partidas. O FC Porto atual é uma equipa que não tem as ferramentas para dominar adversários, mesmo quando tem mais bola, mesmo quando remata mais. A primeira parte do jogo frente ao Casa Pia deixou, uma vez mais, essa ideia. Falta uma forma de elaborar com criatividade e a chave dos portistas tem sido a capacidade para aproveitar os erros alheios. A vitória, naturalmente, assenta bem aos azuis e brancos, mas a exibição ainda não foi convincente. Ao trazer para o discurso de pós-jogo a ideia de que não está preso ao lugar, Vítor Bruno cede às expetativas externas, em lugar de manter a segurança da ligação entre treinador e presidente quanto às possibilidades presentes da equipa. As lideranças portistas ainda procuram o melhor tom para abordar esta transformação de contexto e os resultados poderão ajudar, mesmo que as exibições deixem no ar que há muito por construir neste plantel.
SMS
Algo a dizer sobre o Santa Clara. A vitória de Vasco Matos tem todo o mérito do treinador, porque tem um conjunto que baseia a sua identidade numa abordagem aplicável a todos os jogos do campeonato. A solidez defensiva nunca abdicou de procurar uma afirmação de ataque e a vitória construiu-se nessa capacidade para não ser uma equipa de um momento só.
Rui Borges queixou-se dos horários e com razão. Encaixar jogos após uma jornada europeia sempre trouxe problemas, mas encontrar a hora mais gerível para a transmissão televisiva levou a quebras nas assistências nos estádios, quer em Guimarães, quer no Porto.
Apenas uma vitória nos últimos cinco jogos, eliminação da Taça de Portugal, apesar do Famalicão estar numa boa posição da tabela da Liga Portuguesa, Armando Evangelista vê o seu tempo acabar num clube que alimenta expetativas, mas ainda não quebrou a barreira mental para chegar à Europa. Ao ver o objetivo fugir, pagou o treinador.
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