O desporto mundial na rede da Arábia Saudita
A estratégica utilização do desporto pela Arábia Saudita configura uma rede de interesses que visam o controlo das decisões de grandes instituições desportivas.
Países com capacidade financeira são-nos apresentados, muitas vezes, como oportunidades a explorar. No campo do desporto, uma vez definida a aposta, surge como necessário construir uma serie de estruturas, de equipamento e humanas, que criam a base para uma injecção de dinheiro e uma atração de recursos que premeiam um largo conjunto de pessoas e instituições. A Arábia Saudita tem feito esse percurso acelerando a sua existência como elemento central em várias plataformas desportivas, com o claro objetivo do seu príncipe e primeiro-ministro, Mohammed bin Salman, de aumentar a importância do desporto no seu produto interno bruto. O próprio utilizou o conceito de “sportswashing” de forma algo irónica, para justificar o elevado investimento feito pelo Reino da Arábia Saudita. O que a investigação da Play The Game vem desvendar está um passo mais além de uma aposta de um país em política desportiva. Através da sua rede de influência e patrocínios, esta investigação que a Arábia Saudita se impregnou nas principais estâncias do desporto mundial e promete controlar decisões nos próximos anos.
Grandes eventos num deserto de direitos
Segundo as análises da Amnistia Internacional e da Human Rights Watch, as notícias de liberalização do regime saudita parecem profundamente exageradas. A forma como o país se vai vendendo como destino turístico e sede de grandes eventos permite a construção de uma narrativa de modernidade que choca com as suas leis e com os direitos dos seus cidadãos. Naturalmente que isso não impede a coexistência de diferentes realidades, um país a duas velocidades, uma concedida à sua elite e aos estrangeiros acolhidos para expressar essa ideia de modernidade, outra para as populações mais pobres ou mais reivindicativas. A organização do Mundial de futebol em 2034 é um bom exemplo de como a Arábia Saudita tem feito o seu caminho nas estruturas do desporto.
Um país a duas velocidades, uma concedida à sua elite e aos estrangeiros acolhidos para expressar essa ideia de modernidade, outra para as populações mais pobres ou mais reivindicativas.
Criando plataformas de entendimento com outras federações para controlar a Confederação Asiática, alimentando projetos de patrocínio de diversas competições europeias para condicionar os seus parceiros no continente europeu, patrocinando de forma elevada as principais competições da FIFA. Na definição do organizador deste Mundial, a FIFA restringiu as propostas a países da Ásia e Oceânia, partindo da ideia que o Mundial 2030 será co-organizado por todas as outras Confederações. E deu um prazo de vinte e cinco dias para a apresentação das candidaturas. Este trabalho à medida tem sido observável noutras dimensões, com a Arábia Saudita a organizar provas de Fórmula 1, combates de boxe, torneios de ténis e cricket, juntando todas essas referências com os mesmos modos de abordar e controlar.
910 patrocínios, 1412 atores, 48 memorandos de entendimento
A investigação da Play The Game define o quadro de ação da Arábia Saudita. A aposta no futebol vem superando outras modalidades, pela forma como este desporto é simbólico por todo o mundo. Para além da organização de competições internacionais e nacionais no seu território, a Arábia Saudita comprou clubes e patrocina equipas através de várias empresas e fundos de investimento estatais, transformando também a face da sua Liga local. Para além disso, através de memorandos de entendimento, tem espalhado a sua área de influência a diversas federações mundiais. Existe uma clara estratégia de domínio e controlo que tem tudo que ver com o modo de operar de Mohammed bin Salman, que tomou controlo político do seu país através de ações de acusação e afastamento compulsivo de rivais e opositores.
No ténis, a realização do Masters feminino e um contrato com Rafael Nadal comprovam o pensamento estratégico de aquisição de referências progressistas e impolutas para transformar a imagem do país.
Para além do futebol, a reorganização de estruturas no golfe e no boxe colocaram a Arábia Saudita como espaço central destas modalidades. O automobilismo também tem tido um peso grande, com a realização de um Dakar e de provas de Fórmula 1. No ténis, a realização do Masters feminino e um contrato com Rafael Nadal comprovam o pensamento estratégico de aquisição de referências progressistas e impolutas para transformar a imagem do país. Numa citação da investigação do Play The Game, a irmã da ativista Manahel Al-Otaibi, presa por defender os direitos das mulheres, disse à ABC Austrália que se sentia chocada “por ver a irmão na prisão enquanto mulheres estrangeiras promovem o país a jogar ténis”.
As faces portuguesas do projeto saudita
Nos dados da investigação da Play The Game, um treinador e um clube português aparecem referidos. José Mourinho é membro da direção da Mahd Sports Academy, uma instituição que promove a identificação e o desenvolvimento de talentos no país. O Sporting Clube de Portugal também aparece referido por ter assinado um acordo de cooperação com esta mesma instituição, com o objetivo de trocar experiências e conhecimentos na formação de treinadores e jogadores. Para lá destes nomes, o papel de Jorge Jesus e Cristiano Ronaldo na promoção da Liga Saudita e, por consequente, do país, têm transformado Portugal num dos países onde a imagem da Arábia Saudita tem uma receção mais positiva.
Reconhecer as intenções do dinheiro é uma boa medida para aferir o tipo de oportunidades que se abrem perante nós.
O acompanhamento da Liga local em vários canais mediáticos marca reais diferenças com a forma como esta prova é recebida noutros países europeus. O crescente número de jogadores da seleção portuguesa nesta competição também tem gerado vários momentos de defesa das qualidades do país e das suas organizações que chocam com os dados que instituições como a Amnistia Internacional, a Human Rights Watch e a Play The Game apresentam. O que fica claro é que por trás do investimento saudita está muito mais do que a planificação de um projeto de desenvolvimento do país, mas que visa um projeto de penetração em espaços de decisão que influenciarão o desporto mundial nas próximas décadas. Reconhecer as intenções do dinheiro é uma boa medida para aferir o tipo de oportunidades que se abrem perante nós.
Há mais para ler
A investigação da Play The Game pode ser acedida aqui.
, um dos jornalistas participantes, faz um resumo da investigação no .