Euro 2025, presente e futuro em luta
Poderá o futebol ser verdadeiramente feminino, na sua forma de se expressar dentro e fora do campo, o servirá o futebol apenas para definir mais limites à causa das mulheres?
Começa hoje a décima-quarta edição do Europeu Feminino de Futebol, na Suíça. Sim, por um lado, é mais futebol, a última grande competição de uma temporada que não tem fim. Por outro lado, no feminino, o futebol carrega em si a tensão de uma luta que, no atingir da maioridade, joga as derradeiras cartadas para se entender se será de conquista ou de derrota. A competição vive um momento de maturidade. Muito longe estão os tempos de uma prova que parecia decorrer fora dos limites da legalidade, lutando pelos seus direitos e afirmação, conquistando um público que demorou a entender o seu posicionamento e a importância do que fazia. Com a maturidade, no entanto, surgem as questões que levam a que esta competição, no seu apogeu competitivo e profissional, possa passar a fronteira para se transformar em apenas mais uma linha na agenda de um calendário demasiado carregado de jogos. Não desmerecemos a aproximação de oportunidades que é promovida com um forte investimento na profissionalização das jogadoras e das suas competições, permitindo-se um aumento da qualidade das partidas. Mas a rede da UEFA cresce também na forma como com o investimento vem uma cobrança cada vez maior à promoção do jogo dentro de códigos que em nada se diferenciam de um futebol industrializado, o que pode levar a um afastamento de comunidades de origem onde o futebol no feminino encontrou as suas mais fortes raízes.
O ponto natural
Hoje em dia, qualquer jovem rapariga europeia pode ambicionar chegar a profissional de futebol, tendo em conta que o mapa de competições que permitem essa possibilidade aumentou exponencialmente. Se a Liga Inglesa cresceu e se desenvolveu para se transformar na competição de referência a nível europeu, ultrapassando a Liga Alemã e vendo ligas em Espanha, França e Itália com um crescimento sustentado, a verdade é que das dezasseis seleções presentes na fase final do Euro 2025, só Finlândia, Islândia, Polónia e País de Gales têm oportunidade limitadas para alcançar a profissionalização no seu país. Em Portugal, com a redução para dez equipas na Liga da próxima temporada, a percentagem de profissionais tenderá a aumentar, ainda que a braços com valores salariais baixos. Mas este quadro é uma radical transformação que acaba por ter um efeito notório na forma como se treina e joga futebol no feminino.
Com o anúncio de elevadas vendas de bilhetes consumadas para os jogos que se disputarão na Suíça, gera-se a curiosidade de entender a que soarão as bancadas no Euro 2025.
O aumento de investimento nas ligas e equipas, com um crescimento notório de estruturas que abarcam equipas profissionais masculinas e femininas, vai chocando, no entanto, com números relativamente baixos nas médias de assistências em estádio. São duas linhas que, ao coincidirem, acabam por denotar uma evidência. O crescimento do futebol no feminino faz-se num quadro de normalização do jogo, de apropriação da sua realidade pela indústria do futebol, em detrimento de um crescimento mais conectado com a afirmação do papel da mulher ou da utilização do futebol como uma ferramenta de integração e igualdade. Com o anúncio de elevadas vendas de bilhetes consumadas para os jogos que se disputarão na Suíça, gera-se a curiosidade de entender a que soarão as bancadas no Euro 2025. O ambiente do futebol no feminino tem sido habitualmente descrito como mais inclusivo, familiar e amigável e essas dimensões terão boa oportunidade de se cruzar com adeptos e adeptas mais conscientes do papel do futebol na luta das mulheres.
Lutas e futuros
A Espanha, campeão mundial e vencedora da Liga das Nações feminina, nunca venceu um Europeu e chega em momento de pacificação do seu grupo, em busca de uma inédita chegada à final. A luta das jogadoras espanholas ainda ecoa nas exigências feitas por um grupo de jogadoras que alcançando o sucesso mundial, não abdicaram de continuar o seu caminho de afirmação. A seleção espanhola, mesmo que a pacificação se faça, uma vez mais, de um encerramento num discurso que abdica de tocar as muitas dimensões que o futebol oferece, acaba por ser um símbolo dessa tensão entre o que, no feminino, o futebol ainda pode e quer ser. Alemanha, França e Inglaterra, todas em momentos diferentes de transformação das suas equipas, são os restantes conjuntos que podem vestir a pele de favoritas na entrada para a competição.
Poderá o futebol ser verdadeiramente feminino, na sua forma de se expressar dentro e fora do campo, o servirá o futebol apenas para definir mais limites à causa das mulheres?
No caso da seleção portuguesa, a ideia de fim de ciclo cresceu de forma intensa com uma Liga das Nações onde a equipa começou bem, mas acabou exposta e frágil frente a Espanha, Inglaterra e Bélgica, descendo de divisão. O quadro competitivo da Liga das Nações feminina não foi ainda capaz de elaborar um espaço de desenvolvimento para equipas que estão no nível da portuguesa, com um ano só de vitórias na Divisão B a suceder-se a um ano com goleadas sofridas na Divisão A. Os resultados criam novas pressões sobre Francisco Neto e o seu grupo de jogadoras, numa prova onde até entra com possibilidades de apuramento histórico. Se a Espanha é a grande favorita a vencer o Grupo B, Itália e Bélgica estão apenas ligeiramente à frente da equipa portuguesa, curiosamente coincidindo na troca de treinador em tempos recentes. O que todas as dezasseis equipas que hoje iniciam a competição têm em comum é a definição do seu papel num quadro de exigências que se manterá em discussão. Poderá o futebol ser verdadeiramente feminino, na sua forma de se expressar dentro e fora do campo, o servirá o futebol apenas para definir mais limites à causa das mulheres?
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